Quem arrisca estudá-lo com dedicação e seriedade logo se depara com um leque de possibilidade de interpretação. Termos como idealista, preterista, futurista, historicista, dispensacionalista logo surgem e complicam mais que explicam. Como se não bastasse, subdivisões de divisões jogam mais dificuldades: dispensacionalista clássico, dispensacionalista histórico, dispensacionalista progressivo, pré-milenista, pós-milenista, amilenista, pré-tribulacionista, pós-tribulacionista, meso-tribulacionista. E tem mais: termos sinônimos dificultam os iniciantes, pois fazem parecer que é outra divisão. Milenarista é o mesmo que milenista?
Considere também que é um livro cheio de símbolos, metáforas, alegorias misturado com narrações literais. Assim quando e o que devemos abordar literalmente e quando e o que, simbolicamente? Apocalipse mete medo em muitos e é usado sempre que uma tragédia acontece para justificar que... o fim está próximo. Fazendo, contudo, um contraponto entre Calvino e Hendriksen, o livro é difícil, mas perfeitamente cognoscível.
O livro descreve a batalha entre Cristo e Satanás, no campo do direito, para reconquistar, como homem, a autoridade na terra. Descreve como Satanás tentou impedir Cristo de cumprir sua missão. Descreve como Satanás tentou impedir o plano de Deus de ser executado, desde o Éden até a consumação final. Descreve a batalha de Satanás contra Israel e a Igreja, enquanto povo de Deus, para que não cumpram o papel destinado por Ele. Descreve acontecimentos passados e futuros relativos ao povo de Deus. Mas ao mesmo tempo, nos ajuda a enxergar certas situações contemporâneas, perfeitamente aplicáveis a qualquer um em qualquer tempo.
Sem dúvida o tema central do livro é a vitória de Cristo e o consolo à Igreja. Os juízos de Deus sobre os impenitentes, as tribulações dos justos por causa de Cristo também não podem ser deixados de lado quando se fala de temas do Apocalipse.
Sendo assim Apocalipse deve ser, em minha opinião, lido com a possibilidade de considerar todas as perspectivas: pretérita, futurista, idealista e histórica. O intérprete não deve vir com uma concepção prévia ou preterir uma delas (ou três delas). Penso ser salutar considerar todas as possibilidades numa mesma perícope, a não ser que o próprio texto imponha o contrário. Por exemplo, fica difícil uma interpretação preterista no capítulo 22 ou futurista no capítulo 1.
Não é tarefa fácil! No entanto não podemos esquecer que o autor divino do livro está vivo e habita em nós (1Co 2.9-16). Ele nos potencializa para discernir qual perspectiva aplicar, ou se duas, três ou mesmo as quatro cabem no mesmo contexto. Três excelentes obras em português procuraram sumarizar e reunir as principais concepções. Tentar reproduzir algo neste artigo seria impossível, por isso sugiro fortemente a leitura de: As interpretações do Apocalipse¸ editora Vida; Milênio, significados e interpretações, editora Luz para o Caminho; Um estudo do milênio, editora Vida Nova.
Mas, deixe-me dar apenas um pequeno exemplo. Vejamos as cartas que Jesus manda João endereçar a sete igrejas, em Apocalipse capítulos 2 e 3. Vou pegar apenas a carta à Esmirna para uma breve análise.
E ao anjo da igreja em Esmirna, escreve: Isto diz o primeiro e o último, que foi morto, e reviveu: Conheço as tuas obras, e tribulação, e pobreza (mas tu és rico), e a blasfêmia dos que se dizem judeus, e não o são, mas são a sinagoga de Satanás. Nada temas das coisas que hás de padecer. Eis que o diabo lançará alguns de vós na prisão, para que sejais tentados; e tereis uma tribulação de dez dias. Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas: O que vencer não receberá o dano da segunda morte. (Apocalipse 2:8-11).
Interpretação Preterista: É correto afirmar que esta mensagem foi para os crentes, nos dias de João, membros da igreja local na cidade de Esmirna? Sim.
Interpretação Idealista: É correto afirmar que esta mensagem serve para qualquer igreja local que passa ou passou por forte perseguição, desde os dias de João até os dias de hoje? Sim.
Interpretação histórica: É possível afirmar que esta mensagem pode ser aplicada para toda a Igreja do século II a IV, ou para a Igreja na China, ou na Arábia, ou no Iran dos tempos atuais? Sim.
Interpretação Futurista: É possível aplicar esta mensagem a nós hoje, alertando a uma iminente tribulação que poderá vir sobre nosso país a qualquer momento? Sim.
Vimos assim que, guardados alguns cuidados, para não criar exageros, no que diz respeito às perspectivas de interpretação, todas as quatro são possíveis de análise. Não afirmo, contudo, que cada letra, cada vírgula, tem ou pode ser analisada sob as quatro perspectivas. Porém, o livro como um todo, para ser bem aproveitado, deve-se considerar utilizar todas as perspectivas.


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