Quais as semelhanças e quais as diferenças que levaram ao golpe de 64 com a possibilidade de um novo golpe em 2022?
O presente artigo está sendo finalizado em 23 de dezembro de 2022. Até aqui, o vencedor nas urnas, Luiz Inácio, foi diplomado em 12 de dezembro. Há fortes indícios de atual presidente, Jair Messias Bolsonaro, convocar as Forças Armadas e não entregar a presidência. Desta forma, pretendemos aqui fazer uma comparação com os antecedentes que levaram ao golpe de 64 com o atual momento e fazer uma
1 Introdução
Em 1964 o Brasil experienciou o que ficou conhecido como o golpe civil-militar. Conforme a história recente registra, tal golpe se deu em virtude do descontentamento à possibilidade de um governo comunista no país.
Passados mais de 50 anos, o país reflete novamente sobre o mesmo tema, evidentemente com algumas características diferentes. Em 2018 (re)nasceu a direita no Brasil, com a eleição democrática de um presidente conservador, de direita, ex-militar. Agora, novembro de 2022, após o resultado da eleição de segundo turno, as urnas declararam a vitória da esquerda. Contudo, uma parcela significativa da população pede a intervenção das Forças Armadas para que o vencedor das urnas não assuma.
Quais as semelhanças e quais as diferenças que levaram ao golpe de 64? Existe a real possibilidade de um novo golpe em 2022? Quais seriam as consequências de uma ruptura institucional deste porte?
Os objetivos deste trabalho é refletir sobre a possibilidade um golpe militar no Brasil contemporâneo. Para isso, pesquisamos a história recente, para entender a razão do golpe naquela ocasião e porque podemos ter a certeza de que não acontecerá de novo.
A importância desta reflexão se dá para que possamos fazer o que de melhor o estudo da História nos oferece: entender os erros do passado para não cometê-los novamente.
A metodologia utilizada foi a pesquisa em artigos acadêmicos e livros didáticos, bem como o acompanhamento das informações através dos meios de comunicação contemporâneos.
Este artigo está estruturado de forma a analisarmos o contexto de 1964 e algumas razões pelas quais o golpe se tornou possível. Nosso primeiro capítulo analisa o contexto político, econômico e social dos anos 1961 a 64. Em seguida, veremos os mesmos contextos no período de 2019-2022. No capítulo seguinte o propósito é verificarmos as semelhanças e diferenças. Nossa conclusão pretende então demonstrar que não há a possiblidade de fato de um novo golpe.
2 O contexto político, econômico e social dos anos de 1961-64
Oito partidos dividiam a filiação dos políticos brasileiros:
- Esquerda/Centro-esquerda – Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Partido Comunista do Brasil (PCB)
- Direita/Centro-Direita/Conservador – União Democrática Nacional (UDN), Partido Social Democrático (PSD), Partido Social Progressista (PSP), Partido Republicano (PR), Partido Democrata Cristão (PDC), Partido da Representação Popular (PRP).
Nos anos de 1955-61, sob Juscelino Kubitschek, JK, o Brasil experimentou crescimento econômico, mas ao fim do mandato, ele precisou gerar muita inflação para cobrir o déficit público. O êxodo rural, a formação de favelas e periferias pobres sem serviços básico, promoveu enorme descontentamento na população. Isto favoreceu a eleição de Jânio Quadros. “A insatisfação com essas condições sociais, agravadas no período JK, refletiu-se nas urnas: em 1961, foi eleito presidente o candidato da oposição, o ex-governador de São Paulo Jânio Quadros, lançado pela UDN” (AZEVEDO e SERIACOPI, 2016).
Naquela época, a eleição não era por chapa, por isso, João Goulart, que tinha sido vice de JK, foi reeleito vice de Jânio. Ambos eram adversários políticos.
2.1 Quem foi Jânio Quadros?
Jânio da Silva Quadros, nascido em 25/01/1917, em Mato Grosso, mudou-se com a família ainda criança para Curitiba e mais tarde para São Paulo, onde formou-se em direito. Iniciou a carreira política elegendo-se vereador da capital paulista em 1947. Em 50, elege-se deputado estadual, em 53, prefeito. No ano seguinte, já é governador do Estado e em 58 volta a ser deputado estadual. Dois anos após, é eleito presidente do Brasil (FILHO, 2014).
Jânio exerceu a presidência até agosto de 61, quando renunciou. Segundo BOULOS (2016, p. 195),
Desde o início de seu governo, Jânio se mostrou autoritário, adotando uma prática que ficou conhecida como política dos bilhetinhos: em pequenos pedaços de papel dava ordens aos seus ministros e a funcionários, transformando-os em meros executores no setor público. Seu autoritarismo se manifestava também na relação tensa que mantinha com o Congresso, a quem se referia como "um clube de ociosos".
Todos os historiadores são unânimes em dizer que Jânio pensava que o clamor popular forçaria o Congresso a não aceitar sua renúncia, fortalecendo assim seu mandato. Contudo, o Congresso aceitou prontamente sua renúncia. Em 62 tentará se eleger governador em São Paulo e em 64 terá seus direitos políticos cassados.
2.2 Quem foi João Goulart?
João Belchior Marques Goulart nasceu no estado do Rio Grande do Sul em 1 de março de 1919. Formou-se em direito, mas dedicou-se as atividades da família. Veio a ser deputado por seu estado pelo PTB em 1947. Foi ministro de Getúlio Vargas e eleito vice-presidente em 1955, com JK, e em 1960, com Jânio Quadros (Infoescola, 2022).
Quando Jânio renunciou, Goulart estava na China, já àquela época, um país comunista. Com o país em vias de entrar numa guerra civil, Tancredo Neves propõe uma emenda constitucional e instaura no Brasil o parlamentarismo. Isso enfraqueceu muito o governo de Goulart, mas ele provavelmente não tinha muitas opções.
“Com o retorno do presidencialismo, João Goulart saiu fortalecido e assumiu a chefia do governo. Mas a conjuntura econômica da época era bastante desfavorável: a inflação disparava comprimindo os salários e agravando a tensão social” (BOULOS, 2016, p. 198) .
2.3 Não ao comunismo
A guerra fria estava no auge, e a indústria cinematográfica americana contribuiu imensamente para formar um pensamento contrário ao comunismo. Por isso, a população brasileira, que naquela época era mais de 90% Católica conservadora, rejeitava o comunismo.
O país estava dividido. O Congresso e as Forças Armadas tinham maioria conservadora, contudo, em ambas as instituições, havia certo número de simpatizantes da esquerda comunista. Neste cenário, o Congresso cria o parlamentarismo, enfraquecendo assim os poderes de João Goulart.
As medidas de João Goulart para resolver a crise econômica acentua a divisão no Brasil. Conforme dizem AZEVEDO e SERIACOPI (2016, p.185):
De um lado, o apoio a elas vinha dos grupos de esquerda e dos setores trabalhistas, dos sindicalistas, dos integrantes das Ligas Camponesas e das entidades estudantis (lideradas pela União Nacional dos Estudantes-UNE). De outro lado, opunham-se os grupos conservadores, como as associações patronais, empresários, oficiais de alta patente das Forças Armadas, setores da alta hierarquia da Igreja católica, políticos de direita, etc.
Neste etecétera, sem dúvida alguma podemos colocar a imprensa, ou, o que hoje chamamos de “grande mídia”. Numa época sem internet e redes sociais, a imprensa era, de fato, o quarto poder.
A mídia adquiriu status de quarto poder por ser “observadora/vigia” da realidade, ou seja, o poder que fiscaliza os poderes judiciário, legislativo e executivo, presentes em uma democracia.” (MENESCAL, 2006, p.7).
Uma rápida pesquisa feita nos editoriais e manchetes dos principais jornais brasileiros comprova que a imprensa como um todo estava favorável à destituição de João Goulart e a entrega do governo às mãos dos militares. Conforme o portal de MEMÓRIA O GLOBO (2013):
O GLOBO, de fato, à época, concordou com a intervenção dos militares, ao lado de outros grandes jornais, como “O Estado de S.Paulo”, “Folha de S. Paulo”, “Jornal do Brasil” e o “Correio da Manhã”, para citar apenas alguns. Fez o mesmo parcela importante da população, um apoio expresso em manifestações e passeatas organizadas em Rio, São Paulo e outras capitais.
3 O contexto político econômico social dos anos de 2019-22
Neste período bem recente, que ainda não pode ser chamado de histórico, venceu as eleições o ex-deputado Jair Messias Bolsonaro, também ex-capitão do Exército e ferrenho opositor ao Comunismo. Para muitos, um militar tipo linha dura de 64.
Bolsonaro venceu as eleições após a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado na operação Lava-Jato, da Polícia Federal.
Lula sempre foi do PT, partido do qual é um dos fundadores. O PT, para muitos, é um partido de extrema-esquerda, para outros, centro-esquerda. O fato é que diversos dos integrantes do partido, alguns ex-ministros de Lula, ou diretores de estatais, foram presos e, sob acordo de delação, confessaram e devolveram milhões de reais desviados em atos de corrupção.
As condenações dos integrantes do PT, e até a prisão do próprio Lula, exaustiva e diariamente mostrada em horário nobre em todos dos canais de TV e na mídia impressa, fez acender de novo uma forte oposição ao comunismo, e, agora, com a participação bem mais profunda de cristãos evangélicos, um senso conservador na batalha contra políticas de ideologia de gênero e aborto, pautas abertamente apoiadas pela esquerda brasileira. Bolsonaro sintetizou os sentimentos da população em oposição à agenda da esquerda, tendo como resultado a vitória nas eleições em 2018.
3.1 Índices econômicos
Durante o governo Bolsonaro, em 2020, vimos surgir a pior pandemia mundial da história humana: a Covid-19. Em 2021, a Rússia entra em guerra contra a Ucrânia. Apesar destas crises profundas, o governo de Bolsonaro se sai bem na economia.
De acordo com o IDINHEIRO (2022), a inflação apurada de 2019 até outubro de 2022 foi de 24,02%. O PIB em 2019 foi de 1,2%; em 2020 foi negativo em 3,9%. Já em 2021 foi positivo em 4,6% e a estimativa para 2022 é de 2,8%, segundo o portal INFOMONEY (2022).
3.2 Cenário político
O Brasil de 2022 tem um cenário político formado por 32 partidos registrados no TSE. Porém, de acordo com artigo na WIKIPEDIA (2022), editado pela última vez em 11 de dezembro de 2022, segundo o espectro político, temos:
- 8, centro
- 8, centro direita
- 4, centro esquerda
- 5, direita
- 5, esquerda
- 2, extrema esquerda
- 2, extrema direita
E, segundo o posicionamento ideológico, o artigo já citado diz que são 15 partidos Conservadores; 5, Neutros; 13, Progressistas e 1, Ambientalismo.
4 Comparando os cenários
Se em 1964 tínhamos um cenário muito mais favorável para a instalação da ditadura, através de um golpe civil-militar, parece que o de 2022 não há esse espaço para que Bolsonaro encabece o golpe.
Se ele tem um forte apoio popular, pois conseguiu mais de 58 milhões de votos em 2022 e sob sua administração a economia até que se saiu bem, contudo ele não tem a unanimidade das Forças Armadas. O seu próprio vice, um general 4 estrelas, deu diversas declarações que sinalizam que presidente não tem a unanimidade. Numa entrevista para a CNN Brasil (2022) lemos:
Em entrevista à CNN nesta quarta-feira (7), o vice-presidente e senador eleito Hamilton Mourão (Republicanos-RS) disse que o presidente Jair Bolsonaro (PL) deveria “estufar o peito, erguer a cabeça, e se mostrar como líder da oposição” ao governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Bolsonaro não tem o apoio da grande mídia, que não esconde o desprezo que sente pelo político. Não houve nos quatro anos do governo uma só vez em que os principais meios de comunicação do Brasil fizeram algum tipo de elogio à pessoa do presidente.
A título de exemplo, diversos jornais fizeram como a Folha de São Paulo, que em 06 de abril de 2022 manchetou[1]: “Despiora do emprego pode ter ajudado Bolsonaro”. A matéria trata do aumento do número de vagas de emprego em ano de pandemia. Ao usar o neologismo despiora, o jornalista comunica a seus leitores que a situação não melhorou, mas fico menos pior. Isto numa clara intensão de não tecer nenhum elogio a Bolsonaro.
Por último, ao contrário de 1964, o atual Congresso é formado na sua maioria por políticos mais à esquerda e menos conservadores, o que não daria sustentação política para um golpe civil. Some-se ao Congresso o STF e o TSE, cuja composição é de Ministros, em sua maioria absoluta, indicações de Lula ou de Dilma Roussef, a sucessora de Lula em 2011. Os ministros do STF já deixaram claro que não há apoio legal para o uso do artigo 142 da Constituição, o que seria alegado por Bolsonaro e pelas Forças armadas como base legal para uma intervenção militar.
5 Conclusão
Há a possibilidade de um novo golpe? Quais seriam as possíveis consequências?
Se considerarmos possibilidade como uma opção no tabuleiro, sim. Contudo, ela seria viável? A resposta é: não!
Não pelo já exposto acima. Bolsonaro pode até tentar, mas não encontrará o apoio do Congresso, que foi fundamental para destituir Goulart em 1964. João Goulart estava em terras tupiniquins quando o presidente do Senado declarou vago a presidência do Brasil, portanto, temos aí a parte civil do golpe.
O Brasil é uma república formada por três poderes: legislativo, executivo e judiciário. As Forças armadas não são um poder da república, mas respondem ao executivo, sendo assim uma extensão deste poder.
Para haver uma ruptura, ao menos dois poderes precisam estar de acordo, assim um apoio a outro. No cenário de 1964 tínhamos o legislativo e o judiciário em acordo. A história não registra nenhuma orquestração do STF no golpe. Contudo, quando o presidente do Senado, Auro de Moura deu posse ao deputado Ranieri Mazzilli, então presidente da Câmara, na madrugada de 2 de abril, o presidente do STF Álvaro Ribeiro da Costa foi convidado e estava presente, dando legalidade à posse de Ranieri.
Bolsonaro sabe que tem somente parte das Forças Armadas. Se ele der um golpe e perder, será preso pelo resto da vida. Para ganhar, precisará de força bélica pesada. Além disso, teria ele apoio internacional? E se forças estrangeiras resolverem apoiar militarmente para que Lula seja empossado? Teríamos como lutar contra exércitos estrangeiros?
Concluímos assim que, sem sombra de dúvidas não existe a menor chance de um novo golpe militar.
6 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
AZEVEDO, G.; SERIACOPI, R. História: passado e presente. São Paulo: Ática, v. 3 - Do século XX aos dias de hoje, 2016.
BOULOS, A. História, Sociedade & Cidadania. São Paulo: FTD, v. 3, 2016.
CNN. Mourão diz que Bolsonaro tem que levantar a cabeça e defende que presidente entregue faixa a Lula, 2022. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/politica/mourao-diz-que-bolsonaro-tem-que-levantar-a-cabeca-e-defende-que-presidente-entregue-faixa-a-lula/>. Acesso em: 23 Dez 2022.
FILHO, F. S. Apartes. Jânio Quadros - O vereador que virou presidente, 2014. Disponível em: <https://www.saopaulo.sp.leg.br/apartes-anteriores/revista-apartes/numero-8-junho-julho2014/no08-perfil-janio-quadros/>. Acesso em: 23 Dezembro 2022.
FREIRE, V. T. Despiora no emprego pode ter ajudado Bolsonaro. Folha de São Paulo, 2022. Disponivel em: <https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2022/04/despiora-no-emprego-pode-ter-ajudado-bolsonaro.shtml>. Acesso em: 06 Abril 2022.
INFOESCOLA. Partidos Políticos no Brasil nos anos 50 e 60, 2022. Disponível em: <https://www.infoescola.com/historia-do-brasil/partidos-politicos-no-brasil-nos-anos-50-e-60/>. Acesso em: 23 Dez 2022.
INFOMONEY. Crescimento médio do Brasil entre 2019 e 2022 deve ser de 1,14%, diz FMI, 2022. Disponivel em: <https://www.infomoney.com.br/economia/crescimento-medio-do-brasil-entre-2019-e-2022-deve-ser-de-114-diz-fmi/>. Acesso em: 23 Dez 2022.
MEMÓRIA. Apoio ao golpe de 64 foi um erro, 2013. Disponível em: <http://memoria.oglobo.globo.com/erros-e-acusacoes-falsas/apoio-ao-golpe-de-64-foi-um-erro-12695226>. Acesso em: 23 Dez 2022.
MENESCAL, M. S. N. Editoriais na Ditadura: a favor ou contra o golpe civil-militar de 1964? CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA – UNICEUB, Brasília, 2006.
TABELA IPCA 2022. IDinheiro, 2022. Disponível em: <https://www.idinheiro.com.br/tabelas/tabela-ipca/>. Acesso em: 23 Dez 2022.
WIKIPEDIA. Posicionamentos dos partidos brasileiros, 2022. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Posicionamentos_dos_partidos_brasileiros>. Acesso em: 23 Dez 2022.
[1] https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2022/04/despiora-no-emprego-pode-ter-ajudado-bolsonaro.shtml
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