Prosseguindo em nossa série sobre os 10 mandamentos, veremos aqui um pouco da estrutura e das divergências entre o judaísmo e o cristianismo na sua apresentação. Proporei uma redação um pouco diferente do usual, sem modificar o conteúdo.
Os 10 mandamentos nas diversas vertentes do cristianismo
10 Palavras
Em função da expressão usada pela própria Bíblia em Ex 34.28; Dt 4.13; 10.4, os 10 mandamentos são também chamados de decálogo (deka + logos). Entre os judeus e os cristãos há divergência na enumeração, porém, ao final, todos concordam com o texto quando observado como um todo. Entretanto, a Igreja Católica Romana considera como fazendo parte do primeiro mandamento o que os protestantes reputam como o segundo, além de simplificar a redação da seguinte forma: “Adorar a Deus e amá-lo sobre de todas as coisas”. Ao emitir “não farás para ti imagem de escultura...” retira o peso da consciência daqueles que veneram relíquias e as imagens dos santos. Para rearranjar o texto em 10, os Católicos dividem o “nosso” décimo mandamento em dois.
Duas tábuas
Segundo o Pr Kevin DeYoung, a imagem que costumamos ver como sendo duas tábuas contendo cinco mandamentos numa e cinco noutra, na verdade, “eram duas cópias do mesmo texto”[1] . Uma cópia ficou dentro da arca e a outra, para que os hebreus pudessem consultar. Todavia, uma divisão clara se vê no decálogo. Os 4 primeiros dizem respeito ao relacionamento Deus-homem e os demais, a relação homem-homem. Ao logo da história, nós aprendemos a ver a primeira tábua com os mandamentos vertical e a segunda com os mandamentos horizontal.
Por que precisamos de uma lei moral?
É impossível viver neste mundo sem regras. Ainda que uma pessoa vivesse sozinha no planeta Terra, ela teria de seguir regras. Ninguém pode saltar de um penhasco de cem metros e não se espatifar no chão. Ninguém sobreviveria morando no fundo do mar.
Regras! Elas existem para regular nossas ações. Para limitar nossos atos e permitir a coexistência em sociedade e com a natureza. Por isso, mesmo a filosofia se esforça para entender e explicar as regras, no campo da Filosofia Moral, onde disciplina sobre ética e moral. Para a Filosofia, moral diz respeito às regras, normas, leis, mandamentos, escritos ou não. Já a ética diz respeito ao comportamento humano. Assim, um sujeito é ético se procede de acordo com as regras; antiético, se procede em desacordo com as mesmas regras.
Para que dois ou mais indivíduos vivam em harmonia, eles precisam estabelecer regras e respeitá-las. Para isto, se faz necessário que uma punição seja prevista no caso do desrespeito à regra. Caso contrário, a regra seria inócua.
As regras precisam ser:
- Simples – quanto mais enxuto for o ordenamento, mas fácil será compreender, respeitar e adaptar a diferentes situações e contextos.
- Justas – “a lei é igual para todos”. Pessoas são diferentes. Dois pesos, duas medidas é injustiça.
- Absoluta – a norma não pode ser relativizada. Não pode conter sombra de variação, ora valendo, ora não.
O Decálogo é simples!
Literalmente, “as dez palavras” (conf. Ex 34.28; Dt 4.13; 10.4) dadas por Deus por intermédio de Moises são incrivelmente simples e qualquer um de nós poderia decorá-los em uma semana. Eles cobrem todo o espectro de relação com Deus, a família e a sociedade. Não fica uma única área esquecida, ou cinzenta. São tão claros que eu pude resumir assim:
- Não terás outro deus além de mim
- Não adorarás imagens de esculturas
- Não profanarás o nome do Senhor
- Não profanarás o dia do culto congregacional
- Não deixarás de honrar teu pai e tua mãe
- Não assassinarás
- Não adulterarás
- Não furtarás
- Não darás falso testemunho
- Não cobiçarás as coisas alheias
Eu preferi colocá-los todos em forma negativa para enfatizar as proibições por duas razões:
O termo ló
Segundo os especialistas da língua hebraica, o termo usado nos 10 mandamentos é um não enfático, nunca, jamais. Segundo eles, há outra palavra para designar um tipo de não mais brando, como um “agora não, depois, talvez”. Esta particularidade da língua não deixa margem de dúvidas que o decálogo é universal e atemporal. Em outras palavras, enquanto durar esta era pré-segunda-vinda, eles terão validade.
Liberdade
Por causa da queda, perdemos o livre-arbítrio original. Ninguém consegue não pecar por uma vida inteira. Contudo, ainda temos a livre agência. Somos seres livres, com capacidade de fazer escolhas.
Livre é aquele que tem a capacidade de não proceder em desacordo com a lei. Assim, expressar os 10 mandamentos em forma de “nãos” diz para mim que tenho de liberdade de fazer qualquer coisa, (todas as coisas me são lícitas), no entanto, eu não furto porque escolho obedecer à lei que diz para eu não furtar. Ter a liberdade de adorar outro deus e não fazê-lo prova que de fato eu fui liberto. Ao contrário, apenas evidenciaria o quanto sou ainda escravo da idolatria.
O Decálogo é justo!
É a mesma lei para toda a humanidade, sem distinção de raça, sexo, posição social, lugar de habitação... é a mais perfeita Declaração Universal de deveres humanos. Ao contrário da declaração universal de direitos, da ONU, o decálogo garante o direito do outro quando coloca o meu limite, quando me diz até onde eu posso chegar. Nenhum legislador do mundo conseguiria apontar um erro ou uma impossibilidade de prática nos 10 mandamentos.
O Decálogo é absoluto!
Nenhum ponto dos 10 mandamentos abre brecha para o relativismo. Ele é claro, preciso, conciso, não dá margem para duas verdades, dois caminhos, duas possibilidades. É um enfático não de um Deus absoluto e soberano.
Conclusão
Os 10 mandamentos é a mais perfeita Carta Magna que qualquer nação moderna poderia adotar. Claro que dela poderíamos redigir leis menores, com códigos penal, civil, leis, estatutos e regimentos.
Se não podemos exigir nem ao menos esperar que o mundo reconheça isto, é nossa obrigação, como cristãos, conhecer e viver em função da Lei Magna de Cristo.
Nenhuma força humana pode impedir a Igreja de vivenciar o decálogo. Podem até matar a Igreja, entretanto, nunca impedi-la de praticá-lo.
[1] DeYOUNG, K. Os 10 mandamentos. São Paulo: Vida Nova. 2020.
Img: Os Dez Mandamentos, por Spagnoletto,1638 https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/4/4c/Moses041.jpg/320px-Moses041.jpg
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